A Web como meio de promoção de hábitos de leitura e escrita: o projecto Netescrit@

18-11-2005 00:00

 

 A Web como meio de promoção de hábitos de leitura e escrita: o projecto Netescrit@

Emília Maria Santiago Miranda

Paulo Moreira

Escola E.B. 2,3 Dr. Carlos Pinto Ferreira – Junqueira – Vila do Conde

Centro de Competência Nónio Século XXI – Universidade do Minho - Braga

emiranda@mail.telepac.pt

paulo.moreira@nonio.uminho.pt

 

 

Resumo - “Netescrit@ - Ler e escrever com a Net”, é um projecto que pretende criar uma rede de escolas, alunos, professores, autores, e quaisquer interessados no desenvolvimento, nas crianças e nos jovens, das competências e dos hábitos de leitura e de escrita, fazendo uso da Internet, como ferramenta versátil e propiciadora da criação de ambientes de aprendizagem diferentes e desafiantes.

 

IMPORTÂNCIA DA LITERATURA INFANTO-JUVENIL NA PROMOÇÃO DE HÁBITOS DE LEITURA

 

Natércia Rocha [1] afirma que para as crianças tudo está no princípio pelo que, pensar nelas, implica a necessidade de ter em primeira linha valores do futuro perspetivando-o com raízes no presente. Considera ainda que tudo quanto toca a criança deve ser cuidado com atenção e perícia para que não sejam gerados riscos ao desenrolar do futuro e que, do muito que cerca a criança, os livros constituem um elemento atuante, sendo potenciais agentes modeladores dos seres do futuro, tanto pela presença como pela ausência. Acrescenta que não se nasce com amor ou desamor pela leitura; ambos são gerados no confronto, precoce ou tardio, e depois explode o conflito entre “morrer” e “viver”. Afirma ainda que a função de escritores, ilustradores e editores é uma componente provocatória para a relação afetiva inerente ao amor ou desamor à leitura.

A leitura é determinante para o desenvolvimento pessoal e social pois permite o acesso à informação, à formação ao longo da vida e, em contexto escolar, à aquisição e ao aprofundamento dos conteúdos programáticos.

Nos momentos de aprendizagem formal os alunos leem para aprender, sendo importante incentivar a leitura por prazer que contribuirá para o desenvolvimento do gosto pela leitura e para a criação do hábito de ler.

 

AS TIC NA LITERATURA INFANTO-JUVENIL

 

A educação e os sistemas educativos, embora sempre tenham tentado acompanhar as transformações que se operam nas sociedades, não têm sido capazes de o fazer atempadamente e constantemente nos damos conta de que o desfasamento entre a escola e a sociedade parece ser cada vez maior uma vez que as evoluções da sociedade se dão a um ritmo cada vez mais acelerado, enquanto que a escola evolui a um ritmo assustadoramente lento.

Se fizermos uma brevíssima resenha histórica da educação desde as sociedades primitivas até aos nossos dias, dar-nos-emos conta de que as alterações têm acompanhado, embora sempre com um grande atraso, a evolução das sociedades.

O século XX foi marcado por uma enorme e acelerada evolução tecnológica que afetou todos os sectores da sociedade, incluindo, obviamente, as instituições de ensino, que terão passado por diversas gerações no que diz respeito à utilização da tecnologia e a alterações do papel do professor.

Segundo [2], a primeira destas gerações, correspondente às décadas de 50 e 60, permitiu a introdução nas escolas de diversos meios auxiliares de ensino. Estes ajudavam o professor na transmissão dos conhecimentos, uma vez que permitiam ilustrar, por meio de imagens, aquilo que era transmitido pelas palavras do professor ou dos livros. Estes meios que foram, e ainda são hoje em dia usados, eram o episcópio, o retroprojetor, o projetor de diapositivos, o projetor de filmes e também os discos.

Ainda de acordo com o mesmo autor, a segunda geração, coincidente com as duas décadas seguintes, 70 e 80, é aquela que vê a adoção, pelas escolas, de outras tecnologias, como o gravador de áudio e de vídeo, a câmara de vídeo, a fotocopiadora, a televisão, e também o computador.

A terceira geração, delimitada ainda segundo o referido autor, coincide com a década posterior e depara-se com a introdução das telecomunicações e dos documentos multimédia nas escolas.

Parece-nos que atualmente estaremos perante uma quarta geração, em que a escola, recorrendo ainda a muitas das tecnologias das gerações anteriores, começa a dar-se conta que terá de utilizar a Internet como meio que permite a realização dos processos colaborativos orientados para a criação das redes de conhecimento da Sociedade da Informação.

As tecnologias da informação e da comunicação não induzem, por si só, uma nova pedagogia, mas podem ser usadas ao serviço de variadas pedagogias.

 

 

Tempos houve em que se defendia que era necessário possuir conhecimentos de informática e a aprendizagem girava em torno do próprio computador em si, tendo mesmo sido encarado como "mais um tópico do currículo, e as crianças tiveram de passar a saber a sua história, o nome das suas partes constituintes, as carreiras profissionais a ele ligadas, etc." [3], posteriormente, passou-se a defender que o computador servia para ensinar informática e era "um grande incremento no ensino de conceitos e linguagens de programação, acrescentando igualmente uma nova área a um já sobrecarregado currículo" [4]

Uma outra corrente, o ensino assistido por computador, "põe o acento tónico nos conteúdos a transmitir, que assume um currículo bem determinado e que se propõe fazer progredir o aluno o mais eficientemente possível ao longo desse currículo" [5]

Atualmente a Internet e a World Wide Web atraem todos os que se dedicam à educação e ao ensino oferecendo uma enorme variedade de recursos e suporte para a utilização de estratégias colaborativas no desenvolvimento dos processos de aprendizagem.

Como refere [6] “as atividades de comunicação suportadas pela Web são facilitadoras do surgimento de novas práticas de flexibilização da formação e do desenvolvimento das interações orientadas para a aprendizagem colaborativa.”

Tendo como princípio orientador a promoção dos processos de leitura e escrita numa população jovem, o projeto Netescrit@ baseia-se numa abordagem de trabalho colaborativo implementada através dos meios de comunicação síncrona e assíncrona disponibilizados na plataforma do projeto.

 

 

O PROJECTO NETESCRITA

Descrição

O projeto Netescrit@ foi iniciado em 93/94, tendo como objetivo a criação de uma rede de escolas, alunos, professores, autores e outros interessados no desenvolvimento nas crianças e nos jovens das competências e dos hábitos de leitura e de escrita, fazendo uso da Internet, como ferramenta versátil e propiciadora da criação de ambientes de aprendizagem diferentes e desafiantes.

No âmbito deste projeto foi desenvolvida uma plataforma de aprendizagem situada presentemente no endereço www.nonio.uminho.pt/Netescrit@3 , orientada para a criação de um ambiente de trabalho motivador da leitura e da escrita e que tem como objetivos:

• desenvolvimento das competências de leitura dos alunos participantes;

• desenvolvimento das competências de escrita individual, escrita colaborativa e capacidade comunicativa desses mesmos alunos;

• desenvolvimento das capacidades de análise e de síntese dos referidos alunos;

• implementação dos encontros Palavras Ilustradas entre pequenos e jovens leitores, autores, ilustradores e intérpretes musicais, com a colaboração do Museu Nogueira da Silva;

• disponibilização no “site” do projeto de dados biográficos e bibliográficos de autores lusófonos que se dedicam à literatura para a infância e a juventude;

• atualização constante desse “site”, com a colaboração do Centro de Competência Nónio Século XXI da Universidade do Minho, quer no que diz respeito a dados relativos a novos autores, quer relativamente a desafios interativos;

• análise das implicações da integração curricular das TIC no desenvolvimento das capacidades de análise, de interpretação e de desenvolvimento de competências de leitura e escrita.

 

Centraremos esta nossa apresentação em algumas das ferramentas a que recorremos tais como o fórum, o blog, a escrita colaborativa, os desafios interativos e o correio eletrónico.

O fórum é aberto e tem vindo a ser desenvolvido desde o início do projeto.

Os temas em debate são lançados pelos alunos que participam no projeto ou por outros que a ele acedem.

Sempre que nos apercebemos de que há desvio aos temas em discussão, procuramos chamar a atenção dos participantes a fim de os dirigir para o assunto em debate.

Chamamos também a atenção para erros ortográficos ou de construção de frases sempre que os destetamos.

Procuramos igualmente fazer com que os participantes utilizem o código da língua portuguesa em vez do das “sms” ou dos “chat”, reescrevendo algumas das suas participações.

O blog, é aberto à participação de crianças e jovens de diversas escolas e a sua administração é feia por nós o que permite uma seleção dos trabalhos a publicar.

O sistema de comentários disponível tem funcionado como um ótimo incentivo à produção escrita.

A escrita colaborativa é aberta a todos os participantes e a quem a ela aceda através do site.

Estão atualmente em curso nove desafios de escrita colaborativa, iniciados por três autores e destinados a alunos dos três ciclos da educação básica.

Os desafios interativos estão sempre disponíveis e os alunos podem, sempre que o desejarem, realizá-los. São exercícios sob a forma de textos lacunares, palavras cruzadas, questionários de escolha múltipla e textos desordenados que visam essencialmente a auto-verificação da compreensão de textos dos autores e de informações disponíveis no site.

O correio eletrónico é usado pelos alunos sempre que pretendem enviar participações para o blog ou pretendem qualquer informação relacionada com a temática da leitura e da escrita.

A implementação deste projeto, no que diz respeito à exploração do site pelas escolas/alunos, processa-se por etapas.

Inicialmente entramos em contacto com escolas, explicamos os objetivos do projeto e convidamo-las a participar.

Sempre que nessas escolas há um professor que se mostra interessado em colaborar, o nosso trabalho continua com a sua colaboração e as estratégias de exploração do site que disponibilizamos são opção de cada um.

Nos casos em que não há professor que se disponibilize para acompanhar os alunos interessados em participar, procuramos efetuar visitas regulares a essas escolas e trabalhar com esses alunos.

Os encontros presenciais com os autores, a que demos o nome de Palavras Ilustradas, desenvolvem-se com o apoio do Museu Nogueira da Silva.

Esta unidade cultural da Universidade do Minho disponibiliza o espaço e informa as escolas sobre o calendário dos encontros.

Foram realizados até à data os seguintes encontros:

TABELA I

 

 

ENCONTROS “PALAVRAS ILUSTRADAS” data

autor

n.º escolas

n.º alunos

02/02/2004

Vergílio Alberto Vieira

3

132

15/03/2004

Luísa Ducla Soares

3

142

22/03/2004

António Mota

2

160

21/05/2004

Álvaro Magalhães

3

70

22/10/2004

José Vaz

3

65

15/11/2004

Ana Maria Magalhães

2

93

25/01/2005

Alice Vieira

3

125

14/02/2005

João Pedro Mésseder

2

91

 

A escrita colaborativa desenrola-se nos momentos em que nos deslocamos às escolas ou quando os professores que aceitaram colaborar propõem aos seus alunos esse exercício.

Dado que é um desafio que pode ser realizado livremente e é aberto, quando surgem colaborações não identificadas ou mesmo despropositadas, são eliminadas por nós.

CONCLUSÃO

 

A população estudantil que hoje povoa as nossas escolas é radicalmente diferente da de ontem e será forçosamente diferente da de amanhã. Logo nos primeiros anos de escolaridade as crianças, quando chegam à escola, já aprenderam muitas coisas e "desenvolveram capacidades e modos de aprendizagem, porventura diferentes daqueles que eram típicos de uma sociedade pouco informada, em que a televisão não estava massificada nem era o veículo de comunicação da imensidade e da qualidade de informação que é hoje."[7]

Esta diferente massa de crianças e jovens exige dos professores formas diferentes de ensinar e de avaliar. Estes terão de ser capazes de adaptar a sua prática pedagógica e de avaliação de conhecimentos aos novos contextos sociais, sob pena de se entrar numa rota de colisão inevitável.

O tipo de competências que os alunos devem possuir hoje é consideravelmente diferente das que tinham necessidade de possuir há anos atrás e as escolas têm de evoluir acompanhando ou procurando acompanhar as transformações da sociedade em que estão inseridas.

Se o objetivo primeiro de uma escola se limita à transmissão de conhecimentos a crianças e jovens por intermédio do agente professor e se, para tal, esta desenvolveu uma cultura própria estabelecendo uma série de normas, valores e procedimentos, o uso da Internet neste contexto influenciará o processo educativo e as funções a ele associadas. As redes informáticas permitem o trabalho e a comunicação, derrubando não só as barreiras espácio-temporais mas também as sociais. Não estão presentes os títulos académicos ou outros, o estatuto social, a raça, a idade, o aspeto físico, as expressões faciais, a linguagem corporal. Todas estas ausências poderão desinibir e, automaticamente, facilitar a comunicação. As redes podem então conduzir à democratização na participação no trabalho. No entanto, o uso de redes, como a Internet, poderá ter um impacto muito importante nos padrões de comunicação e no estatuto hierárquico, pois desafia a cultura social e organizativa das escolas, que tentarão lutar pela preservação da autoridade e dos estatutos existentes. O seu uso poderá, de certa forma, pôr em causa as normas escolares existentes.

Estes desafios deverão ser olhados como uma grande oportunidade que se nos é dado viver a todos nós e poderemos então"...reconciliar-nos com o futuro, juntar o velho e o novo, o arquivo histórico e a world wide web, a soldadura e o CAD-CAM, o restauro dos estuques e a computação gráfica, se soubermos afastar de nós a peregrina vergonha do concreto e do empírico, a maldição anti experimental e anti técnica, anti erudita e balofamente conceptualista e retórica de que nos sustentámos enquanto as fronteiras estavam fechadas e os espíritos andavam distraídos. Esta é a nova fronteira do saber e do saber-fazer. A todos, de qualquer condição, esta fronteira diz respeito e a ninguém pode deixar indiferente."

VII Simpósio Internacional de Informática Educativa – SIIE05 Leiria, Portugal, 16-18 Novembro de 2005

REFERÊNCIAS

 

[1] Rocha, N. (1992). Breve História da Literatura para Crianças em Portugal, 2.ª edição. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Ministério da Educação, pp 15-31

[2] Machado, A. Documentos policopiados

[3]-[5] Ponte, J. (1992). O computador, um instrumento da educação. 6.ª edição. Lisboa: Texto Editora, Lda, pp 61-62

[6] Dias, P., (2004) Comunidades de Aprendizagem e Formação on-line. Nov@Formação, nº3, 14-17

[7] Azevedo, C. e Azevedo, A. (1998). Metodologia Científica.Porto: C. Azevedo, p. 8

[8] Gago,J.. Conferência "Os Desafios da Sociedade da Informação: Ameaças e Oportunidades para Portugal", Lisboa, 6 de Maio de 1996

 

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